terça-feira, 13 de setembro de 2016

Educação - Docência: uma carreira desprestigiada


Levantamento realizado pela Fundação Victor Civita comprova uma percepção alarmante: a profissão docente não é considerada uma opção atraente pelos estudantes do Ensino Médio. Apenas 2% desejam cursar Pedagogia ou Licenciatura

por: Rodrigo Ratier

"Se você comentar com alguém que está pensando em ser professor, muitas vezes a pessoa pode dizer algo do tipo: 'Que pena' ou 'Meus pêsames!'. Afinal, sabe que você vai ser desvalorizado e obter uma remuneração ruim." É com essa chocante clareza que Thaís*, aluna do 3º ano do Ensino Médio de uma escola particular em Manaus, sintetiza uma noção preocupante para a Educação brasileira: cada vez menos jovens desejam seguir a carreira docente. 

Embora essa impressão tenha se espalhado até mesmo entre quem não é da área, faltava dimensionar com contornos mais nítidos a extensão do problema. A área deEstudos e Pesquisas da Fundação Victor Civita (FVC) encomendou à Fundação Carlos Chagas (FCC) um mergulho no tema e os dados comprovam: apenas 2% dos estudantes que estão concluindo o Ensino Médio têm como primeira opção no vestibular graduações diretamente relacionadas à atuação em sala de aula - Pedagogia ou alguma Licenciatura. Outros 9% mencionam a intenção de cursar disciplinas da Educação Básica, como Letras, História e Matemática, o que não garante que venham a se interessar por lecionar (confira mais detalhes no gráfico da página 3).
* Ao longo deste especial, os nomes dos alunos ouvidos pela pesquisa foram trocados para preservar a confidencialidade do estudo. 
Os jovens que aparecem nos depoimentos em destaque são identificados normalmente, pois foram entrevistados pela equipe de NOVA ESCOLA.

A pesquisa ouviu 1.501 alunos de 18 escolas públicas e privadas

Patrocinado pela Abril Educação, o Instituto Unibanco e o Itaú BBA, o estudoAtratividade da Carreira Docente no Brasil é mais uma iniciativa da FVC para contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica. A pesquisa ouviu 1.501 alunos de 3º ano em 18 escolas públicas e privadas de oito municípios, selecionados por seu tamanho, abrangência regional, densidade de alunos no Ensino Médio e oportunidades de emprego. Foram contempladas as cinco regiões do país. No Sul, as cidades escolhidas foram Joinville e Curitiba; no Sudeste, São Paulo e Taubaté; no Centro-Oeste, Campo Grande; no Nordeste, Fortaleza e Feira de Santana; no Norte, Manaus. 

Para entender melhor as respostas fornecidas pelos estudantes no questionário geral, o estudo contou ainda com uma fase de grupos de discussão, em que dez alunos de cada escola debateram o assunto e detalharam opiniões. Por fim, com as informações já compiladas, um painel de especialistas foi convidado a avaliar os resultados e propor soluções sobre o problema da atratividade docente. 

Na edição especial de NOVA ESCOLA traz os principais resultados da sondagem. Ao longo das reportagens, você vai conhecer em detalhes o que os jovens estudantes brasileiros pensam da docência como uma opção profissional. Em linhas gerais, apesar de reconhecerem a importância do professor, os entrevistados afirmam que a profissão é desvalorizada socialmente, mal remunerada e possui uma rotina desgastante e desmotivadora. Para a grande maioria, não é uma carreira interessante a seguir (leia mais no texto Por que a docência não atrai).

Perfil dos futuros professores e possibilidades de mudança

A pesquisa também permite construir um perfil dos futuros professores do país. Nesse sentido, é útil analisar a lista das carreiras mais procuradas de acordo com o tipo de instituição em que os jovens estudam. Nas escolas públicas, a Pedagogia aparece no 16º lugar das preferências. Nas particulares, apenas no 36º. A situação se repete também com as Licenciaturas - que, somadas, ocupam o 24º posto na rede pública e o 37º na particular (como mostra o gráfico abaixo). "Isso evidencia que, atualmente, a profissão tende a ser procurada sobretudo por jovens da rede pública de ensino, que em geral pertencem a nichos sociais menos favorecidos", afirma Bernardete Gatti, pesquisadora da FCC e supervisora do estudo (leia mais na reportagem Nossos futuros professores). 

Depois de obter um diagnóstico completo, o estudo deu ênfase à proposição de alternativas para reverter a situação. Para apontar soluções, a FVC e a FCC convidaram 17 especialistas de diversas áreas da Educação para um debate em novembro do ano passado. O consenso é o de que se deve atacar o problema por diversas frentes, do aumento salarial à melhoria das condições de trabalho, da proposição de planos de carreira à revisão das formações inicial e continuada, passando pela necessidade de valorizar o professor e tratá-lo como profissional (leia mais na reportagem Caminhos para atrair os melhores). 

Ao todo, são oito sugestões práticas, que podem ajudar a desatar o nó identificado por outra jovem do Ensino Médio, Cláudia*, aluna de escola pública em Feira de Santana, a 119 quilômetros de Salvador: "Hoje em dia, quase ninguém sonha em ser professor. Nossos pais não querem que sejamos professores, mas querem que existam bons professores. Assim, fica difícil".


quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Acordo histórico: Colômbia e Farc assinam cessar-fogo

Uma nova era se inaugura na Colômbia. Em cerimônia na cidade de Havana, capital de Cuba, o presidente colombiano Juan Manuel Santos e o líder do grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño Echeverri, assinaram em junho um acordo de cessar-fogo definitivo, abrindo caminho para um tratado de paz que dê fim ao conflito armado mais antigo da América Latina.
Desde 1964 o conflito já matou mais de 220 mil pessoas e causou o deslocamento de seis milhões de colombianos. Ao longo dos anos, as Farc se tornaram uma organização coesa, presente em mais da metade do território da Colômbia e que chegou a ter 20 mil combatentes. As autoridades estimam que hoje existam oito mil guerrilheiros.
O acordo é o mais sólido já alcançado entre as partes, pois foi a primeira vez que desde meados da década de 1980 que ambos concordam com uma trégua bilateral. Os bastidores desse processo de paz revelam uma intensa negociação.
Desde novembro de 2012 representantes do governo colombiano e das Farc se encontram em Havana para costurar o acordo de paz. Cuba e Noruega atuam como países mediadores desse diálogo e também contam com o apoio da Venezuela e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon como observadores internacionais.
A etapa do cessar-fogo bilateral definitivo prevê o cumprimento de um cronograma para tratar diversos temas espinhosos para o fim do conflito, como o desarmamento, a reintegração à vida civil, a reparação para as vítimas das guerrilhas e garantias de segurança para os ex-guerrilheiros das Farc.
Com esse acordo, mais de sete mil guerrilheiros devem entregar as armas. Parte do arsenal de fuzis deve ser derretido para que a Organização das Nações Unidas possa criar três monumentos em homenagem à paz.

Origem das Farc

A história política da Colômbia é marcada por conflitos. Entre os anos de 1948 e 1958, os dois partidos tradicionais da República Colombiana protagonizaram um período conhecido como “A Violência”, marcado por confrontos armados. Nesse contexto, surgiram diversos grupos guerrilheiros de “autodefesa”, de inúmeras orientações políticas e ligados a diferentes partidos.
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A origem das Farc é em um pequeno foco de resistência camponesa comunista. Em 1964, o movimento fez uma tentativa de fundar uma zona autônoma marxista e proclamou a criação da República de Marquetalia, que foi posteriormente atacada pelo Exército. A resposta a esse ataque foi a criação de diversos focos de guerrilha, que, unidos, se tornaram as Farc. Esses grupos montaram uma estrutura militar, com acampamentos em selvas e nas montanhas colombianas.
Inspirados pelo êxito da Revolução Cubana, o projeto político do grupo era pautado pela reforma agrária e a criação de um Estado socialista. Para isso, buscaram combater o governo. Uma das principais formas de financiamento do grupo era a cobrança do “imposto revolucionário”, uma taxa imposta à população local.
A partir dos anos 1980, os guerrilheiros também começaram a atuar no tráfico de drogas, na mineração ilegal e na indústria dos sequestros para financiar suas atividades. Em seus anos de maior atuação, as Farc praticaram sequestros, ataques e assassinatos. Por esses crimes, a organização integra a lista internacional de organizações terroristas. Apesar dos indícios, as Farc negam todas as acusações de envolvimento com o narcotráfico.
O poder das Farc na Colômbia contribuiu para o surgimento de grupos paramilitares de extrema direita, financiados por grandes fazendeiros e empresários. Muitos são contratados para assassinar guerrilheiros clandestinos e líderes de movimentos sociais. Atualmente, grupos paramilitares tentam controlar as zonas produtoras de coca e o comércio das drogas. 

O que há no processo de paz?

Durante as últimas décadas, várias foram as tentativas de negociação frustradas entre o governo colombiano e a guerrilha. A negociação entre as duas partes se dá com base em cinco eixos principais: situação das vítimas, minas armadilhas e explosivos, tráfico de drogas, entrada na vida política e reforma agrária.
Pesquisas de opinião mostram que a população colombiana anseia por colocar o fim à guerra, mas tem dúvidas sobre diversos pontos do acordo. Hoje, 70% da população apoiam as negociações para a paz. Apesar disso, 80% dos colombianos se opõem à proposta de anistia aos guerrilheiros, e 77% rejeitam a possibilidade de ex-combatentes se lançando como candidatos em futuras eleições.

• Participação política

A ideia é que as Farc se tornem um partido político. Agora, o acordo prevê o estabelecimento de garantias legais e segurança para o surgimento de forças políticas de oposição.

• Reforma agrária

A reforma agrária é uma das principais reinvidicações políticas das Farc. Se prosperar, a negociação lançará bases para uma aposta robusta do governo no modelo de produção agrícola familiar nas regiões mais afetadas pelo conflito.

• Reparação das vítimas

Em dezembro de 2015, as partes anunciaram um dos acordos mais complexos da negociação que busca reparar as vítimas e sancionar os responsáveis de delitos graves. Como parte desse acordo, serão formados tribunais especiais que julgarão os guerrilheiros e agentes do Estado envolvidos em crimes relacionados com o conflito. Os principais responsáveis por crimes hediondos deverão ser julgados e punidos.

• Minas e explosivos

Mesmo se a guerra acabar, a Colômbia terá de conviver com o perigo de minas enterradas em diversas regiões. Será preciso identificar os locais infestados e realizar a descontaminação. Essas operações serão realizadas por militares e deverão durar anos.

• Tráfico de Drogas

Desde a década de 1980, o narcotráfico alimenta e agrava o conflito. Em maio de 2014, as Farc chegaram a um acordo com o governo para a substituição de cultivos ilegais de coca em áreas de influência. Segundo o governo dos Estados Unidos, as Farc controlam cerca de 70% do território onde se cultiva a coca na Colômbia.

PARA SABER MAIS

As Farc - Uma guerrilha sem fins?, de Daniel Pécaut
Editora Paz e Terra (2010)
Por Carolina Cunha
Outra reportagem interessante sobre o tema: A vida de guerrilheiros das FARC após depor as armas  http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/02/internacional/1472809475_728055.html?rel=mas