“A travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua. Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas”, escreveu Euclides da Cunha no clássico livro Os Sertões, publicado em 1902. Mais de um século depois, a árida paisagem descrita pelo escritor no oeste da Bahia está cada vez mais parecida com a imagem de vastos campos de grãos.
Isso porque uma região geográfica que há duas décadas era considerada esquecida no interior do Norte e Nordeste está sendo apontada como o próximo grande celeiro do agronegócio no Brasil. Batizada de “Mapitoba” ou “Matopiba” pelo Ministério da Agricultura, hoje a região é a que mais cresce em área plantada no país.
O nome curioso é um acrônimo referente às duas primeiras letras dos estados em que faz divisa: Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. A dimensão do território é calculada em 414 mil quilômetros quadrados, quase o tamanho da Alemanha, e com uma população de 1.800.000 habitantes espalhada por 337 municípios.
Até a primeira metade do século 20, essa grande área era coberta por pastagens em terras planas e vegetação de cerrado e caatinga. A agricultura era considerada improdutiva. Desde 2005, houve um fenômeno de expansão da atividade agrícola com o surgimento de fazendas de monocultura que utilizam tecnologias mecanizadas para a produção em larga escala, destinada à exportação de grãos como soja, milho e algodão.
Apesar da sua deficiência em infraestrutura, a predominância do relevo propício à mecanização, as características do solo, o regime favorável de chuvas e o uso de técnicas mais modernas de produtividade constituem os principais fatores para o crescimento da produção de grãos.
Segundo o Ministério da Agricultura, em 2012, os produtores rurais do Mapitoba produziram 15 milhões de toneladas de grãos. Projeções indicam que em 2022 a produção vai pular para mais de 18 milhões de toneladas. Enquanto a média de crescimento da produção de grãos do país é de 5%, no Mapitoba esse número atinge 20% ao ano.
O cultivo de soja é a atividade de maior rentabilidade e de maior expansão. Dados da Associação dos Produtores de Soja (Aprasoja) apontam que a região já é responsável por 10,6% da soja no país e que o preço das terras naquela região é bem mais vantajoso do que no Mato Grosso, outro grande produtor do grão.
A ocupação desse território remonta à época da colonização portuguesa no Brasil, com o surgimento de arraiais movidos pela mineração, a criação de gado e a agricultura de subsistência. As populações tradicionais incluem indígenas e quilombolas, raizeiros e quebradeiras de coco.
O Mapitoba começou a ser explorado para o agronegócio a partir da década de 1980. Agricultores da região Sul chegaram primeiro, atraídos pelas terras baratas. Logo, as pastagens extensivas em cerrados foram substituídas por uma agricultura mecanizada e áreas de irrigação.
Atualmente, o agronegócio é responsável pelo maior volume de exportações do Brasil e o setor é fundamental para o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Em 2015, o governo formalizou a região como um novo território de desenvolvimento e quer criar políticas para estimular o crescimento da nova fronteira econômica, vista como a última fronteira em expansão do país.
Crescimento das “cidades do agronegócio”
A riqueza nesse polo de desenvolvimento transformou as áreas urbanas vizinhas com a chegada de indústrias e serviços integrados à cadeia da produção agropecuária. Houve um aumento do fluxo migratório e o crescimento de uma nova estrutura urbana e econômica.
Um exemplo é a cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA), que tem o maior polo de produção agrícola do Estado e que converge boa parte da produção de soja destinada à exportação. Hoje, o município é o que mais cresce em população no Brasil. Desde sua emancipação, em 2000, sua população saltou de 18 mil habitantes para 80 mil.
As cidades de Balsas (MA), Araguaína (TO) e Uruçuí (PI) também estão crescendo e se tornando novos vetores do agronegócio. Entre 2000 e 2015, Balsas viu sua população crescer de 50 mil habitantes para cerca de 90 mil.
A produção de grãos do Mapitoba é escoada principalmente por meio da ferrovia Carajás e do porto de Itaqui, no Maranhão. No Oeste, os destaques são os portos baianos de Salvador e Cotegipe.
A pressão sobre o meio-ambiente
A questão da expansão da produção agrícola e a preservação da vegetação nativa é um conflito comum no espaço rural brasileiro.
Estudos da USP indicam que a região do Mapitoba é a maior em conversão de vegetação natural em uso agrícola na atualidade. Ambientalistas avaliam que a expansão agrícola poderá acabar com áreas remanescentes do bioma cerrado. Uma realidade já vista nos últimos 40 anos, quando aproximadamente metade do cerrado brasileiro foi convertida em terras agrícolas e pastagens.
O Mapitoba abriga as últimas áreas de cerrado nativas e o bioma está presente em 90% do território. Nos últimos anos, grandes extensões de terras foram desmatadas. Segundo a organização WWF Brasil, pequenos e médios produtores têm promovido desmatamentos ilegais no território e plantio sem manejo adequado.
Para o Ministério da Agricultura, a tendência é de que a expansão no território ocorra principalmente sobre terras de pastagens naturais, convertendo áreas antes destinadas à pecuária em lavouras.
Para que o equilíbrio de processos ecológicos na zona rural seja mantido é necessária a destinação de áreas de proteção com cobertura natural, de forma a cumprirem sua função de conservação e proteção da fauna e da flora originais.
As fronteiras agrícolas na história do Brasil
Uma fronteira agrícola corresponde ao avanço e expansão das atividades agropecuárias sobre um determinado meio natural. A expansão geralmente é movida pela necessidade crescente de produção ou, em alguns casos, de garantir a soberania nacional nos chamados “vazios territoriais”.
As primeiras fronteiras agrícolas brasileiras surgiram após o descobrimento, em 1500, quando os colonizadores portugueses exploraram a zona litorânea composta pela Mata Atlântica em busca da madeira do Pau-Brasil e posteriormente o plantio de cana-de-açúcar em grandes engenhos da Zona da Mata que replicavam o modelo plantation colonial.
No século 17, houve a expansão para o interior do Brasil estimulada por mineradores em busca de ouro. Já no século 19 aconteceu o crescimento da economia do Sudeste oriunda da riqueza do café. Mais recentemente, na década de 1970, o estímulo à produção agrícola da região do Mato Grosso (que atraiu migrantes do Sul) e a exploração da Amazônia Legal.
Até os anos de 1960, acreditava-se que as últimas fronteiras agrícolas a serem exploradas no Brasil eram a região Norte e Centro-Oeste. Isso até nos anos 2000, quando o Mapitoba surgiu com o status de “a última fronteira agrícola”.
BIBLIOGRAFIA
- Matopiba: caracterização das áreas com grande produção de culturas anuais. Vários autores. Nota técnica Embrapa (2014) Disponível online
- O crescimento da soja: Impactos e Soluções. WWF (2014). Disponível online
- Desigualdades socioespaciais nas cidades do agronegócio, Denise Elias e Renato Pequeno (Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 2007). Disponível online
Carolina Cunha
fonte: http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/mapitoba-conheca-a-ultima-fronteira-agricola-do-brasil.htm
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