quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entenda o contexto político da crise Brasil-Itália

A decisão do governo federal de conceder refúgio político ao escritor e ex-“terrorista” Cesare Battisti foi o pivô de uma grave crise diplomática entre Brasil e Itália, que também incendiou divergências políticas e ideológicas em ambos os países.


O italiano foi preso na manhã de 18 de março de 2007 em Copacabana, Rio de Janeiro, por agentes da Polícia Federal. Ele estava foragido havia 26 anos e foi condenado à prisão perpétua na Itália por autoria e co-autoria de quatro homicídios, ocorridos entre 1978 e 1979.

Guerrilheiro

Battisti era um dos líderes do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), braço das Brigadas Vermelhas, famosas pelos ataques terroristas contra alvos do governo italiano. Na época, o mundo estava polarizado em blocos políticos e econômicos: o capitalista e o comunista. Grupos de esquerda como as Brigadas Vermelhas empregavam métodos violentos para desestabilizar o governo a fim de implantar a "ditadura do proletariado".

A Itália foi um dos países que mais sofreram com a onda de violência na Europa. No final dos anos 70, havia em média um sequestro por semana e, diariamente, atentados a bomba, além de assassinatos e assaltos a bancos praticados por guerrilheiros.


O ataque mais ousado foi o sequestro e morte do primeiro-ministro Aldo Moro, em 1978, cometidos pelos Brigadas Vermelhas. Moro também era presidente do partido Democracia Cristã, que detinha maioria no Parlamento italiano (a Itália adota o sistema parlamentarista e o chefe do governo é o primeiro-ministro).

A execução do premiê provocou uma reação imediata das autoridades, que deram início ao desmantelamento das organizações guerrilheiras. Ex-brigadistas foram beneficiados com o perdão em troca da delação de ex-companheiros - a chamada "Lei dos Arrependidos", que também foi usada contra a máfia siciliana. Em parte, foi deste modo que a Justiça italiana condenou Battisti.

Preso em junho de 1979, dois anos depois ele fugiu para o México, até conseguir refúgio na França, sob o governo do socialista François Mitterrand, que abrigava militantes que renunciassem à luta armada. Distante do passado terrorista, Battisti obteve cidadania francesa, depois de se casar e ter duas filhas, e vivia como escritor.

No início do século, porém, o cenário na Europa era outro, com alianças conservadoras chegando ao poder, inclusive na França. Em 2004, o presidente francês Jacques Chirac autorizou a prisão e extradição de Battisti, mas o italiano já havia escapado. Desta vez, para o Brasil.

Decisão polêmica

A trajetória de Battisti se confunde com a própria história da segunda metade do século 20, marcada por um mundo dividido ideologicamente. Em países como o Brasil, sob regime militar, partidos de esquerda foram banidos para a clandestinidade, onde abraçaram as armas. É neste contexto que deve ser analisada a concessão de refúgio político.

Em 13 de janeiro deste ano, o ministro da Justiça Tarso Genro reconheceu a condição de refugiado do ex-guerrilheiro, atendendo ao pedido de advogados de defesa e contrariando decisão anterior do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), que rejeitou a mesma solicitação em novembro de 2008. O Conare é um órgão ligado ao próprio ministério, criado para analisar esse tipo de caso.

A decisão do ministro teve como base a lei nº 9.474, de 1997, que reconhece como refugiado todo indivíduo que sofre perseguição "por motivo de raça, religião, grupo social ou opiniões políticas". A condição impede que o beneficiado seja extraditado do país. É uma decisão soberana, ou seja, só pode ser revogada pelo presidente da República.

No entendimento do governo, Battisti cometeu crimes políticos, não comuns, c
onforme alega a Justiça na Itália. Por isso, considerou-se que ele é vítima de perseguição política. Antes dele, outros quatro italianos tiveram os pedidos de extradição negados no país.

O relatório de Tarso, no entanto, expõe uma situação questionável. O ministro compara o panorama da Itália nos anos 70 e 80 com os "anos de chumbo" da ditadura brasileira. O problema é que, diferente do Brasil, os italianos viviam numa democracia, que incluía partidos de esquerda em cadeiras do Parlamento.

Reação italiana

O que irritou o governo italiano no relatório de Tarso e causou a crise diplomática foram, basicamente, dois pontos: a alegação de que o foragido sofreria perseguição política em seu país, que põe em dúvida a democracia italiana, e de que o réu não teve ampla possibilidade de defesa no processo, contestando também o sistema judiciário. Battisti foi condenado em 1993 à revelia, isto é, sem que estivesse presente no julgamento (ele estava foragido à época).

Houve forte reação contrária à resolução. Representantes do governo de Silvio Berlusconi manifestaram repúdio, bem como políticos, associações de familiares de vítimas do terrorismo e a imprensa italiana. Os apelos são para que o governo brasileiro volte atrás na decisão.

A principal crítica é a de que políticos ligados ao PT, partido do presidente Lula, estariam agindo por impulso ideológico, uma vez que têm o passado ligado a grupos armados esquerdistas.

Ocorreram protestos, greve de fome e até ameaça de cancelar um jogo amistoso entre Brasil e Itália, marcado para 10 de fevereiro em Londres. Houve também respostas favoráveis por parte de políticos, defensores dos direitos humanos e intelectuais brasileiros.

No auge da crise, o embaixador italiano no Brasil, Michele Valensise, deixou o país, atendendo uma convocação do governo italiano para consulta sobre o caso. O Ministério de Relações Exteriores italiano aguarda um posicionamento da UE (União Européia), que já adiantou considerar o caso uma relação bilateral, onde não cabe intervenção.

Basttidi Continua no Brasil

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