segunda-feira, 4 de março de 2013

Brasil: destino dos novos imigrantes


Crescimento econômico, setor petroquímico em alta, a chegada de grandes empresas e a crise europeia tornam o País um dos rumos nesse novo ciclo migratório internacional

Maurício Barroso
Diferentes períodos migratórios formaram a cultura brasileira, processo que teve início em 1534 com a divisão do território em capitanias hereditárias e ganhou força em 1549 com a criação do governo-geral e a capital da colônia em Salvador, situação que atraiu muitos portugueses para aquela região. O movimento lusitano ainda era pequeno, mas cresceu e atingiu números expressivos no século XVIII. Entraram, só em Minas Gerais, nos primeiros cinquenta anos daquele século aproximadamente 900.000 pessoas e, de acordo com historiadores, no mesmo século, aconteceu outro movimento migratório, o de açorianos para Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Amazônia.
Entre os séculos XVI até o XIX, o tráfico negreiro contribuiu, mesmo que de maneira espúria, para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil. Mais tarde, mesmo a proibição da entrada de estrangeiros pela legislação portuguesa no período colonial não impediu que os espanhóis desembarcassem por aqui entre os anos de 1580 e 1640 (período no qual as coroas estiveram unidas). Naquele mesmo tempo chegavam em terras brasileiras os judeus, ingleses, franceses e holandeses. Junto deles viajam com interesse antropológico alguns cientistas, missionários e, até os lendários piratas Ingleses.
A partir dos anos de 1800, o ciclo migratório para o Brasil se intensi­ficou. Tendo dois marcos responsáveis, a Indedestino pendência em 1822 e a abolição da escravatura em 1888, o primeiro fato fez com que o País abrisse os portos a nações amigas, numa tentativa fracassada de criar pequenas propriedades rurais, mas que foi sufocada pelo latifúndio e a escravidão. Somente após a abolição entraram no Brasil mais de 1,4 milhão de estrangeiros, o dobro do número de entradas nos oitenta anos anteriores (1808-1888).
SÉCULOS 20 E 21
O século passado foi um período conturbado da história mundial, vide as duas guerras mundiais, recuperação europeia pós-guerra e crise japonesa. Cenário que torna o ciclo migratório irregular, mas que é responsável, por exemplo, pela entrada maciça de nipônicos na cidade de São Paulo. De lá para cá a chegada de alemães, italianos e outros povos europeus que se reuniam em colônias e formaram cidades bem conhecidas na região sul e sudeste do Brasil.
No início deste século (21) o Brasil entra novamente na rota da imigração, devido ao crescimento econômico, setor petroquímico em alta e a chegada de grandes empresas no País tornaram o Brasil a bola da vez neste novo ciclo, seja pela entrada trabalhadores estadunidenses, europeus e asiáticos ou a chegada dos vizinhos da América do Sul. O País virou a terra da oportunidade também para os jovens espanhóis e portugueses que não conseguem emprego em seus países devido à crise naquela região.
Os números impressionam. Segundo dados do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geogra­ a e Estatística (IBGE), o crescimento de estrangeiros que vivem em terras brasileiras subiu 86,7% em dez anos. Naquele ano o País abrigava 286.468 imigrantes internacionais — que vieram de outros países e moravam no Brasil há pelo menos cinco anos. Em 2000 esse número era de 143.644 imigrantes.
O estudo revelou que os principais destinos dos estrangeiros foram São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. Outra informação interessante foi a volta de brasileiros ao País. De acordo com o Censo 2010, 174.597 retornaram ao Brasil.
BALANÇO
A Coordenação Geral de Imigração (CGig), órgão ligado ao MTE, mostra em seu balanço que 56.006 pro­ ssionais estrangeiros foram autorizados a trabalhar no Brasil em 2010. Deste total, 53.441 foram autorizações de caráter temporário, com estada no País de até dois anos. Em 2009, foram 42.914 autorizações de trabalho concedidas.

Para o Coordenador Geral de Imigração do MTE, Paulo Sérgio de Almeida, o aumento do número dessas autorizações, desde 2006, está relacionado aos crescentes investimentos no Brasil, especialmente nos setores industrial, óleo, gás e energia. “Isso está caracterizado pela aquisição de equipamentos no exterior e implantação no País de novas empresas de capital estrangeiro. No setor industrial, por exemplo, o aumento representa a expansão do nosso parque industrial, bem como a modernização e a implantação de novas indústrias”, comenta Almeida que explica que a aquisição de equipamentos e tecnologia no exterior demanda a vinda de profissionais especializados na supervisão de montagem e da execução de etapas mais sensíveis no processo de implantação desses equipamentos e para transferência de tecnologia.
 “MÃO DE OBRA” ESPECIALIZADA
De acordo com o coordenador do órgão, o setor de óleo e gás (exploração de petróleo e gás na plataforma continental brasileira) foi o principal responsável pelas autorizações. O setor demandou a vinda do exterior de equipamentos so­fisticados como os navios do tipo sonda, plataformas de perfuração, navios para aquisição de dados geofísicos, dentre outros. “Ao ingressarem no País, estes navios e plataformas estrangeiros, com tripulação estrangeira, acabam por incorporar pro­fissionais brasileiros as suas tripulações ao longo do tempo de sua permanência nas águas brasileiras”, observou.
O estudo mostra que entre os pro­ ssionais estrangeiros autorizados a trabalhar temporariamente no Brasil, 15.206 estavam relacionados ao trabalho a bordo de embarcação ou plataforma estrangeira. Houve também um grande aumento no número de autorizações para tripulantes estrangeiros que vem a bordo de embarcações de turismo de fora. De acordo com o levantamento, este setor teve forte crescimento no país nos últimos anos e, por conta disso, crescimento exponencial no número de vistos concedidos - saltou do patamar de algumas centenas para mais de 8.000 vistos/ano em 2008 e 2009, e para perto de 13.000 vistos em 2010. “Também, neste caso, há um percentual obrigatório de brasileiros que essas embarcações devem ter a bordo. De todo modo, o setor industrial e da prestação de serviços são os que mais demandam a vinda de profissionais estrangeiros”, avaliou Almeida.
Quanto às autorizações permanentes, a maioria foi concedida para administradores, diretores, gerentes e executivos com poderes de gestão e concomitância, num total de 1.218. Investidores pessoa física somaram 848 autorizações em 2010.
ARTISTAS
Outro ponto relevante ficou por conta da expansão no número de artistas estrangeiros para shows no Brasil: foram 1.853 autorizações a mais do que em 2009, aumento de 28%. Além disso, cresceu o número de profissionais estrangeiros para trabalho a bordo de navios e plataformas estrangeiras em operação no Brasil (exploração e produção de petróleo): foram 1.835 autorizações a mais do que em 2009 - aumento de 13,7%.
Também houve evolução no número de profissionais estrangeiros para instalação de máquinas e equipamentos, assistência técnica e transferência de tecnologia: foram mais 2.222 estrangeiros com estada até 90 dias (aumento de 38% sobre 2009). Do total, cerca de 20% referem-se a atividades ligadas à indústria da exploração e produção do petróleo.
O número de profissionais com vínculo de emprego no Brasil, em sua maioria, ligados a atividades gerenciais em empresas de origem estrangeira instaladas no Brasil também cresceu. Foram mais 1.061 estrangeiros, um aumento de 43%.
O estado de São Paulo teve a maior concentração de autorizações concedidas, passando de 18.285 em 2009 para 25.550 em 2010. O Rio de Janeiro é o segundo da lista, passando de 18.956 para 22.371 solicitações de visto de trabalho. Minas Gerais manteve-se na terceira colocação com 2.644; Amazonas, 1.164 e, e Paraná, 1.035.
ESTADUNIDENSES E ARGENTINOS
Por país de origem, os norte-americanos foram os que mais solicitaram autorizações de trabalho. Foram 7.550 em 2010, contra 5.590 no ano anterior. Já dentre os países que compõem o Mercosul, os argentinos são os que mais solicitam autorizações de trabalho no Brasil. Em 2010, foram 644 concessões para trabalhadores desta naturalidade. Venezuela (562), Chile (383), Bolívia (90), Uruguai (66) e Paraguai (28) completam a lista.
Para Almeida, além de transferir seus conhecimentos aos brasileiros, esses profissionais contribuem para a geração de mão de obra nacional nas novas indústrias e atividades econômicas que ajudam a implementar. Muitos desses profissionais estrangeiros também vêm ao Brasil para compor o quadro inicial de novas empresas estrangeiras recém-instaladas no Brasil. “São, muitas vezes, responsáveis pela implantação do negócio e, depois de algum tempo, retornam a seus países de origem”, observa. 
ILEGAIS E REFUGIADOS
No outro lado da moeda estão os estrangeiros ilegais e refugiados que não entram nas estatísticas do IBGE, mas informações do Governo Federal e de ONGs estimam que haja de 60 mil a 300 mil estrangeiros em situação irregular no Brasil, sendo sua maioria de latino-americanos, chineses e africanos.
De acordo com editor da “Travessia – Revista do Migrante” e assessor da diretoria do Centro de Estudos Migratórios / Missão Paz de São Paulo, Dirceu Cutti , desde o ­ nal do século XX começaram a chegar refugiados e imigrantes do continente africano. “A Casa do Migrante, da Missão Paz, é um micro espaço revelador do que vem ocorrendo: inaugurada em 1978, com capacidade para 100 pessoas/ dia, acolheu, até 1998, uma média anual de 5% de imigrantes”, conta Cutti, e observa que este percentual cresceu para 25% em 2002; 50% em 2004; 70% em 2008 e praticamente a 100% a partir de 2010.
Sobre o novo ciclo migratório internacional, Cutti acredita que o Brasil vive uma dicotomia porque se a melhora da economia traz mão de obra qualificada, por outro lado os pobres também veem aqui uma chance de começar ou recomeçar a vida. “Nós, da Missão Paz, que atuamos junto a esses novos imigrantes, presenciamos claramente que nós (brasileiros) somos marcados por duas atitudes opostas: acolhedores, mas preconceituosos também”, analisa o assessor, e lembra que os ilegais são recebidos, muitas vezes, com preconceito, intolerância, rejeição e xenofobia.
NOVA LEI E TRÁFICO DE PESSOAS
Há três anos tramita no Congresso Nacional uma nova lei de imigração, que para especialistas deve incluir a adoção de políticas como o oferecimento de cursos de português e a capacitação para o mercado de trabalho. De acordo com a legislação que o governo pretende aprovar, estrangeiros poderão requerer vistos permanentes a qualquer momento. Pela lei atual, é preciso fazer um requerimento antes de chegar ao Brasil, por meio dos consulados brasileiros.
Atualmente a permanência de estrangeiros no País ainda é regida pelo Estatuto do Estrangeiro, instituído em 1980, sob a ótica da Lei de Segurança Nacional.
No segundo semestre de 2012, a deputada federal e presidente da Comissão das Relações Exteriores do Congresso brasileiro, Perpétua Almeida, denunciou que as redes de tráfico de pessoas envolvendo haitianos com destino ao Brasil continuam operando intensamente na fronteira com o Peru. De acordo com a deputada, naquele momento existia 216 haitianos à espera de um visto para permanecer legalmente no Brasil.
As autoridades brasileiras calculam que, desde o terremoto de 2010 no Haiti, cerca de 2,6 mil pessoas procedentes do país da América Central chegaram ao Brasil através de rotas amazônicas, seja pelo Peru ou pela Bolívia. Muitos desses imigrantes, aproximadamente 2,4 mil, receberam vistos de trabalho do governo federal, que ainda destinou R$ 900 mil reais à assistência do grupo. De acordo com dados da Missão de Paz São Paulo, a ONG realizou até o ­ nal de junho de 2012 mais de 540 atendimentos, tendo cadastrado no Programa de Mediação os currículos de 519 haitianos, destes, 147 (28%) conseguiram emprego graças à mediação da entidade. Os brasileiros são conhecidos por ser um povo receptivo e agregador, mas não é difícil perceber que o ciclo migratório atual revela que também somos, por vezes, preconceituosos e xenofóbicos, vide situação de imigrantes bolivianos que já foram encontrados em situação análoga a da escravidão, trabalhando em depósitos fechados e sem a mínima condição de higiene. Reconhecer o problema e criar políticas públicas que alterem o cenário atual tornarão o Brasil um país mais justo para os seus e um exemplo mundial na questão da imigração.

Fonte: Revista Conhecimento Prático - Geografia

Nenhum comentário: