quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A ANTROPÓLOGA QUE MORA NA FAVELA PARA ENTENDER OS CONSUMIDORES PARA AS EMPRESAS

Hilaine Yaccoub tem 35 anos e é antropóloga. Em 2011 ela se mudou para a Barreira do Vasco, uma das mais de mil favelas da cidade do Rio de Janeiro. Quando chegou, a favela ainda não estava pacificada e era dominada pelo tráfico de drogas. Passou alguns sufocos. Uma noite, estava em sua antiga casa, em Niterói, e precisava ir até a favela buscar um computador que já estava na casa recém-alugada. "Tinha um relatório para entregar e os dados estavam lá", conta. Já era uma da manhã e sua casa ficava a 200 metros da principal boca de fumo (ponto de venda de maconha) da comunidade. "Os traficantes costumavam atirar nos postes de luz para que a rua ficasse toda escura e ninguém visse nada. Nesse dia, ela tomou fôlego, entrou na favela e seguiu rumo à sua casa. "Passei pelos traficantes, cumprimentei todos eles e fui em frente. Tive muito medo".
A realidade na Barreira do Vasco agora é outra. Em 12 de abril deste ano foi inaugurada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade, localizada na zona Norte da cidade. Hilaine estuda os hábitos de vida e de consumo de homens, mulheres, crianças e adolescentes locais. Depois de morar por quase um ano na favela, ela agora passa três dias da semana por lá, num quartinho alugado. Com a chegada da UPP, seu trabalho ficará ainda mais rico. "Vou poder fazer um retrato de como as pessoas viviam antes, durante e depois da pacificação", diz. Sua ideia é permanecer na Barreira do Vasco até 2014.
Hilaine Yaccoub (Foto: Divulgação)
Munida de câmera fotográfica e seu iPhone, Hilaine registra em fotos, vídeos e áudios o dia a dia dos moradores da Barreira do Vasco. Todo esse material é precioso para o trabalho que ela e outros onze antropólogos fazem na Consumoteca, um grupo que realiza pesquisas de observação direta e participativa. Hilaine e seus colegas dão sentido prático aos estudos antropológicos. Hoje eles pesquisam desde hábitos de consumo dos brasileiros endinheirados à forma que as pessoas vivem nas favelas. Cada um é especialista em um determinado grupo ou tipo de consumo: luxo, popular, adolescente, infantil, feminino. Entre seus clientes estão grandes empresas como a Eudora, marca do grupo Boticário, e o Club Social, marca de biscoito da Mondelez (ex-Kraft Foods). Veja a seguir algumas das impressões que a antropóloga fez da vida na favela carioca.
O começo
Em 2007 Hilaine fez sua primeira incursão num bairro bem pobre do Rio de Janeiro. “Ainda não era uma favela, mas já era um lugar bem carente”, conta. Ela foi contratada pela Ampla, concessionária de energia, para pesquisar por que as pessoas fazem os chamados gatos – as ligações clandestinas de energia elétrica. Mas seus amigos e vizinhos não sabiam que ela trabalhavam para a empresa. Sabiam apenas que ela era antropóloga e estava fazendo uma pesquisa. “As agências da Ampla estavam sendo apedrejadas por lideranças locais, então meu chefe ficou com medo de represálias e me pediu para não contar para quem eu trabalhava”. Hilaine alugou uma casa, que mobiliou com móveis bem populares, e passou oito meses no local. Descobriu que o que leva as pessoas a fazerem ligações irregulares de luz é algo bem mais complexo do que se imagina. "As pessoas não acham que têm de pagar por algo que, para elas, é um bem público. Antes da privatização do setor, era o governo, através das estatais, que fornecia energia elétrica para a população. Então elas acham que é um serviço sem dono, que não precisa ser pago", afirma.
Morando na favela
Depois dessa primeira experiência, a antropóloga seguiu seus estudos e, em 2011, se mudou novamente de sua cidade natal, Niterói, para a favela. Ela decidiu ir para a Barreira do Vasco, favela que na época tinha dezenas de pontos de droga, e onde as concessionárias de energia elétrica do Rio de Janeiro não atuam. Todas as ligações de luz são irregulares. No início, a mudança foi tímida. Hilaine alugou uma casa que ficava mais nos arredores da favela. A experiência não foi tão interessante porque ela não estava inserida de verdade na vida local.
Ela optou, então, por alugar um quarto dentro de uma casa mais no meio mesmo da favela. Aí conseguiu estabelecer dois tipos de relações: as horizontais, com os vizinhos da rua, e as verticais, com os demais moradores da casa (raramente as casas nas favelas são térreas). “O começo foi muito complicado. As pessoas ficavam desconfiadas e se perguntavam: quem é essa moça que entra e sai da favela com uma câmera na mão?”, conta ela. Sua vida ficou mais fácil porque ela logo conheceu a presidente da associação de moradores da Barreira do Vasco que a apresentou para a comunidade.
O trabalhoJá faz algum tempo que a “favela” está na moda. O crescimento do emprego, da renda e a redução da desigualdade permitiram que, entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas migrassem das classes D e E para a classe C. Esse fenômeno chamou e ainda chama a atenção de milhares de empresas de dentro e de fora do Brasil. Todas querem entender melhor os costumes, desejos e necessidades desses consumidores para conquistá-los.
Para Hilaine, é preciso ter cuidado e conhecimento para estudar os hábitos dessas pessoas. “Muita empresa olha quem mora na favela como se essas pessoas fossem índios urbanos. Uma gente exótica”, diz. Como antropóloga, o que ela quer é vê-los como qualquer outra pessoa, de qualquer outro lugar. E dar espaço para que eles mostrem como vivem, como pensam e o que querem da vida. "Entro dentro da casa das pessoas. Vejo o que elas comem, como elas usam os eletrodomésticos e eletroeletrônicos que compram, como elas cuidam da saúde e da aparência".
HILAINE YACCOUB: “MUITA EMPRESA OLHA QUEM MORA NA FAVELA COMO SE ESSAS PESSOAS FOSSEM ÍNDIOS URBANOS. UMA GENTE EXÓTICA” 

Novos amigosEla já está tão inserida na favela que tem dezenas de amigos. Circula por todos os lugares, vai a festas, casamentos, batizados. “Levo meu namorado para passear lá e participo de tudo”, diz ela. A antropóloga conta que a generosidade é um das características mais fortes dos seus novos amigos. “É raro ir na casa de alguém e não comer nada. Sempre me oferecem mil coisas”.
Hilaine conta que o convívio direto com os moradores locais permitiu que ela descobrisse que mesmo dentro da favela há várias classes sociais. “Tem o pessoal que se deu bem e hoje tem carro importado, mas não sai de lá porque fora da comunidade não é conhecido de ninguém e a pessoa quer ser reconhecida. Tem os universitários, os que ainda estão melhorando de vida e aqueles que seguem dependentes dos programas do governo como o Bolsa Família”.

http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Vida/noticia/2013/04/antropologa-que-estuda-favela-para-empresas.html

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