domingo, 26 de setembro de 2010

Fim da Guerra do Iraque

Desafio agora é manter estabilidade política e segurança no país

José Renato Salatiel

Após mais de sete anos, os Estados Unidos terminaram uma das guerras mais caras e polêmicas de sua história. No último dia 31 de agosto, cumprindo uma promessa de campanha, o presidente Barack Obama anunciou o térmico da missão de combate no Iraque. Os iraquianos enfrentam agora o desafio de manter a segurança e compor um governo em meio a desavenças étnicas que dividem a nação.

A Operação Liberdade Iraquiana começou em 20 de março de 2003, durante o governo de George W. Bush (2001-2009). O motivo alegado para a invasão, a suposta existência de armas de destruição em massa, nunca foi comprovado. O objetivo era destituir o ditador Saddam Hussein do poder e estabelecer um regime democrático. Por trás disso, havia o interesse no controle das reservas de petróleo iraquianas e no domínio estratégico na região.

Na época, Bush tinha apoio da população para promover sua "guerra contra o terror". A campanha foi iniciada após osataques às torres gêmeas do World Trade Center (Nova York), em 11 de setembro de 2001. Nos anos seguintes, porém, o país se envolveu em duas guerras, no Afeganistão e no Iraque, e enfrentou a maior crise econômica desde a Grande Depressão (1929-1933).

Somente a guerra no Iraque custou US$ 744 bilhões (R$ 1,3 trilhão) e matou mais de 4.419 militares (até 3 de agosto) e 100 mil civis iraquianos. A imagem dos Estados Unidos também foi prejudicada devido a denúncias de maus tratos a presos iraquianos na prisão de Abu Ghraib e operações violentas nas ruas de Bagdá.

Era, portanto, uma guerra que só acumulava despesas. Os prejuízos eram tanto financeiros quanto políticos. O desgaste de Bush, agravado pela demora ao socorro às vítimas do furacão Katrina em 29 de agosto de 2005, foi decisivo para a eleição de Obama no ano passado. Dentre os compromissos do novo presidente estavam retirar os combatentes do Iraque e concentrar esforços na economia doméstica.

Para completar a retirada, no último dia 1º de setembro o governo americano deu início à Operação Novo Amanhecer. Um efetivo de 49.700 soldados (dos 64 mil remanescentes) irá permanecer no Iraque para treinar a polícia e o Exército locais. Obama enfatizou que os soldados deixarão definitivamente o país até o final de 2011. Para isso, pediu pressa na composição de um novo governo no Iraque.

Não será fácil reconstruir o país. O Iraque, assim como a maioria dos países do Oriente Médio , não possui tradição democrática. Além disso, décadas de guerras destruíram a infraestrutura necessária para o desenvolvimento. E há disputas entre grupos étnicos que impedem a formação de um Estado. A unificação do país só foi possível, até hoje, por meio da ditadura.

Era Saddam

O Iraque é um país rico em petróleo, mas pouco desenvolvido devido a séculos de guerra e ocupação estrangeira. Depois de quatro séculos dominado pelo Império Otomano, passou a ser colônia do Reino Unido após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Quatro décadas mais tarde, o período de transição da monarquia foi marcado por sucessivos golpes de Estado.

Os conflitos terminaram com a chegada do partido de Saddam Hussein ao poder, em 1968. O ditador assumiu a presidência em 1979, iniciando um dos regimes mais violentos do Oriente Médio. Na ocasião, em plena Guerra Fria (1945-1991), ele tinha apoio dos Estados Unidos. A razão disso era a rivalidade com o Irã, país dos aiatolás que pregava o fim de Israel e desafiava os americanos.

Durante o governo de Saddam, o Iraque enfrentou três guerras do Golfo Pérsico que devastaram a economia do país: a primeira contra o Irã (1980-88), a segunda com a invasão do Kuwait (1990-91) e, finalmente, a ocupação dos Estados Unidos (2003-2010). O ditador iraquiano foi deposto e capturado ao final de 2003. Ele foi condenado à morte em dezembro de 2006 pelo assassinato de 148 muçulmanos xiitas na vila de Dujail, ocorrido em 1982.

A sociedade iraquiana é formada por três grupos étnicos e religiosos que brigam entre si há séculos. Os árabes perfazem entre 75% e 80% da população, de 29 milhões de habitantes. Os curdos estão entre 15 e 20% desse total. A principal religião é a muçulmana, dividida entre xiitas (60 a 65%) e a minoria sunita (32% a 37%).

Os sunitas governaram o país desde a sua criação, em 1920. Essa situação mudou a partir de outubro de 2005, quando os iraquianos aprovaram uma Constituição mediante um referendo nacional. Em dezembro foi composto o Parlamento, no primeiro governo constitucional no país em quase 50 anos, de maioria xiita. As diferenças étnicas vieram à tona em atentados violentos até 2007.

Impasse político

Nas eleições parlamentares de 7 de março deste ano , a coalizão xiita do primeiro-ministro Nouri al Maliki, o Estado de Direito, terminou em segundo lugar, atrás da aliança Iraqiya, do ex-premiê Iyad Allawi (que tem apoio dos sunitas). A Aliança Nacional Iraquiana, de xiitas radicais, ficou em terceiro lugar na disputa.

Houve denúncias de fraudes e recontagem de votos, mas os números permaneceram inalterados. O resultado nas urnas obrigou os partidos a negociarem a composição de um novo governo, secular e multiétnico.

No entanto, passados seis meses das eleições, não foi sequer nomeado um novo primeiro ministro. Os três blocos não se entenderam e não surgiu um outro nome, além de Maliki, para concorrer ao cargo.

Enquanto isso, uma nova onda de violência tomou conta das ruas de Bagdá. A duas semanas da retirada das tropas, um ataque deixou pelo menos 59 mortos. Outras 12 pessoas morreram em ataques de homens-bomba contra um complexo militar, depois do fim da missão. Os atentados colocam em dúvida as garantias do governo iraquiano de que o país tem condições de cuidar da própria segurança.

Nenhum comentário: